Muito em breve será promulgada pelas Mesas da Câmara e do Senado a Proposta de Emenda à Constituição n° 17, de 2019, que dispôs sobre uma série de questões ligadas à proteção de dados pessoais.
A grande notícia é que o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais, será incluído no rol do nosso nobre art. 5º, aquele que inaugura o título dos Direitos e Garantias Fundamentais.
Outro assunto a ser acrescido à Constituição Federal é a competência privativa do Congresso Nacional para legislar sobre temas ligados à proteção de dados pessoais.
Ou seja, leis estaduais e municipais que tratarem de proteção de dados pessoais serão inconstitucionais, pois .
Na justificação à PEC 17/2019, o tema foi defendido da seguinte maneira:
Nesta Proposta, também buscamos, além de instituir o direito fundamental à proteção de dados pessoais, também disciplinar questão tormentosa: a competência constitucional para legislar sobre o tema.
Sabemos que existem diversas propostas de leis estaduais e municipais versando sobre o assunto, inclusive em flagrante réplica da LGPD. Não há racionalização nisso: a fragmentação e pulverização de assunto tão caro à sociedade deve ser evitada. O ideal, tanto quanto se dá com outros direitos fundamentais e temas gerais relevantes, é que a União detenha a competência central legislativa.
Do contrário, pode -se correr o risco de, inclusive de forma inconstitucional, haver dezenas - talvez milhares- de conceitos legais sobre o que é "dado pessoal" ou sobre quem são os "agentes de tratamento" sujeitos à norma legal. Impõe-se, portanto, que o país apresente uma legislação uniforme quanto à proteção e tratamento de dados, tendo em vista ser praticamente impossível aos governos e empresas de todo o mundo se adaptarem a normas específicas de cada localidade.
Além disso, a pluralidade normativa pode trazer problemas de compatibilidade e adequação dos dados, em especial nos serviços disponibilizados pela rede mundial de computadores, que utilizam os dados pessoais de formas cada vez mais abrangentes e inovadoras.
Trata-se de alteração que é altamente aconselhável para a racionalização do tratamento de dados no país e sua inclusão na realidade internacional da disciplina da matéria. Por essa razão, esperamos poder contar com o apoiamento dos nobres Pares à presente proposta.
A decisão já está posta, mas e se a competência fosse outra?
Na modalidade de competência concorrente (do art. 24 da Constituição Federal), a união legisla sobre normas gerais e os estados tem competência suplementar.
Pergunto de outra maneira, os estados brasileiros, diante de suas especificidades não poderiam criar normas específicas para a proteção de dados pessoais?
Um dos exemplos é a iniciativa para legislar sobre produção e consumo. Diante dessa autorização constitucional, não é incomum que os estados tenham regras de proteção aos direitos dos consumidor mais específicas.
Iniciativas como a criação de um cadastro para o bloqueio do recebimento de ligações de telemarketing, o famoso não perturbe ou mesmo a proibição de corte de fornecimento de energia elétrica durante a pandemia.
Outra grande questão é que a iniciativa privativa do Congresso Nacional para legislar sobre temas ligados à proteção de dados pessoais pode vir a inviabilizar leis que tratam de temas de iniciativa concorrente, como responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, proteção e defesa da saúde, controle da poluição entre outros.
O que você acha: a competência da União é a ideal para construção de uma uniformidade legislativa sobre o tema ou os estados poderiam adaptar melhor as regras gerais para suas características regionais?
Atualização em 14 de fevereiro de 2022: E a Emenda Constitucional n° 115, finalmente, foi promulgada no de 10 de fevereiro de 2022, três meses e vinte dias após sua aprovação.
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Ainda é tempo para Duna
Duna é um livro da primeira metade da década de 60, escrito pelo jornalista estadunidense Frank Herbert. Meio ficção científica, meio ficção fantástica. Li em algum lugar da década de noventa, quando a edição da Nova Fronteira já deveria ter mais de 10 anos de idade. Quase tive que tomar um antialérgico ao folhear novamente esse livro.
Trata dentre outras coisas história Paul Atreides, filho do duque que foi designado para cuidar do planeta Duna, o lugar onde se produz a especiaria.
Em um universo sem computadores, a especiaria aumenta as capacidades cerebrais de seus usuários para que eles possam dirigir naves espaciais ou rodar algoritmos no próprio cérebro.
A história tem muito tons de cinza e estratagemas políticos.
Enfim, virou referência. Jodorowski queria fazer um filme, não deu, mas seus estudos artísticos serviram de inspiração para muita coisa que veio depois.
Houve uma adaptação dirigida por David Lynch em 1984, também psicodélica, mas sem captar a profundidade da história. A wikipedia diz que o Frank Herbert teria gostado. Mas você acredita na Wikipedia?
Houve uma mini-série do Sci-Fi Channel. Bonitinha, no sentido de que o bonitinho é um feio arrumado.
Agora em 2021, após mais de um ano de atraso pandêmico, houve o filme que conta cerca de dois terços da história do livro, um grande filme.
Já li o livro algumas vezes, li os livros que o Frank Herbert escreveu, as continuações e spin offs escritos pelo filho após o falecimento do autor. Enfim, sou fã mesmo.
Faz tempo que li o livro pela última vez (sim eu li aquele calhamaço mais de uma vez). Mas algumas frases do livro sempre ecoaram para mim e ao preparar esse episódio, vi que são dicas para gestão de crise.
“Conhecer onde está a armadilha, este é o primeiro passo para evitá-la. É como o combate individual, filho, somente que numa escala maior. Um estratagema dentro de um estratagema, dentro de outro. Parece não ter fim e nossa tarefa é descobri-la.”
Se você, pelo menos, assistiu ao trailer do filme. Sabe que uma armadilha está posta. A questão não é se os personagens vão evita-la, mas sim como atravessar a situação da melhor maneira.
Nesse sentido é também a segunda frase clássica que eu separei:
“Nossa supremacia em Caladan — lembrou o Duque — dependia do poder aeronaval. Aqui, devemos desenvolver alguma coisa que eu chamaria de poder no deserto.”
E finalmente, a última citação, que aparece até em um dos trailers, a litania contra o medo. Que segue aquela máxima de que não devemos entrar em pânico.
“Eu não temerei. O medo é o assassino da mente. Medo é a morte pequena que traz a obliteração. Enfrentarei meu medo. Não permitirei que ele passe sobre mim ou através de mim. E, quando ele se for, voltarei minha visão interna para olhar sua trilha. Por onde o medo passou nada restou. Apenas eu permaneço.”
Faz tempos que li os livros, mas ouvir “fear is the mindkiller” me fez recordar de como repetir tal texto não serviria lá para muita coisa.
A frase também me lembrou de outra abordagem ficcional sobre o texto, tinha quase certeza que se tratava de algo que Gandalf ou outro personagem de Tolkien tinha dito.
Mas na verdade, segundo o oráculo google, a frase é de outro romancista especialista em ficção fantástica, o estadunidense Terry Brooks. Não me lembro de ter lido nada dele, nem de fato onde tive contato com a frase.
O medo é um fogo para temperar a coragem e a determinação. Use-o assim. (Terry Brooks)
A questão é que dessa vez eu peço desculpas pro Frank Herbert e fico com essa outra abordagem. Longe de ser uma questão de autoajuda, mas é que na maioria das vezes, acabamos por encarar os desafios com medo mesmo, do jeito que dá.
E já que a frase não era do Tolkien, o Ato de hoje se encerra com uma fala que de fato é dele, por meio do Gandalf:
Não devemos nos questionar porque algumas coisas nos acontecem e sim o que podemos fazer com o tempo que nos é dado. (Gandalf, O Senhor dos Anéis)
Enfim, assista Duna (e torça comigo pela segunda parte da adaptação do Denis Villeneuve, que já foi confirmada pelo estúdio).
E mais..
O podcast literário Põe na Estante estreou o spin-off sobre livros de não-ficção chamado Ler o Mundo. Logo na primeira edição a conversa é sobre Big Tech, um livro de Evgeny Morozov que é um favorito da casa (e que eventualmente vai ter alguns de seus temas discutidos na QPD).
Já que hoje é dia de invasões de feed, também gostei do Política e Direito Eleitoral, que veio por meio do RepúblicaCast, que trata de marketing político. O primeiro episódio fala sobre as federações partidárias.
Ainda no tema dessa quinzena, o Fórum Maranhense de Estudos Legislativos realizou uma live para discutir a competência residual dos Estados na Constituição de 1988. Para assistir a gravação da live, clique aqui.
O eleitor brasileiro apoia a tributação progressiva?, por Rodrigo Mahlmeister, no Nexo.
Partidos Tribalistas, pelo cientista político Humberto Dantas. Sim, a referência do artigo são aqueles Tribalistas da Marisa Montem Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes.
“Fica banido o mau humor, a partir da publicação da presente Lei”. Esse é um dispositivo da Lei nº 9.440 de 25 de outubro de 2021, do Estado do Rio de Janeiro. A Lei cria do dia do Humor, em homenagem ao falecido humorista Paulo Gustavo. Vi lá no Garimpo.
A Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou o fim da meia-entrada, mas o projeto foi vetado. Uma das razões é que há lei federal que disciplina a meia-entrada.
Soberania do Congresso Versus Supremacia Judicial: o Impeachment como um hard case legislativo, Texto para Discussão do Senado Federal pelos consultores Rafael Silveira e Silva e Antonio Capuzzo Meireles Filho.
Nem em 1989 a democracia venceu como valor, pelo cientista político Humberto Dantas, no Virtú News.
E por falar em Garimpo, o Núcleo fez uma grande reportagem sobre os Facebook Papers.
No Metapolítica, uma explicação sobre o Poder de Agenda.
Em episódio exta do ótimo podcast Paredes são de Vidro, a evolução da cobertura da imprensa no STF é discutida e questionada.
Quinze por Dia, ou simplesmente QPD, é uma newsletter quinzenal com temas sobre processo legislativo, política e afins, por Gabriel Lucas Scardini Barros. Se você recebeu esse e-mail de alguém, siga esse link para assinar.