A dança da bengala
“Ele era tão novo, morreu com apenas 68 anos.”
Você já deve ter ouvido algo do tipo. O fato é que muitas pessoas com idade maior que 65 anos possuem vitalidade e clareza mental de fazer inveja à muito jovem.
Na semana passada, o Senado aprovou a PEC 32/2021, que dispõe sobre o aumento de 65 para 70 anos a idade máxima para nomeação de juízes e ministros de tribunais regionais federais e de tribunais superiores (incluído o STF)1. O texto virou a Emenda Constitucional n° 122/2022.
Quando a Constituição foi promulgada, a idade máxima de admissão para esses cargos era de 65 anos e a idade para a aposentadoria compulsória era de 70 anos.
A primeira movimentação foi o aumento da idade da aposentadoria compulsória para 75 anos, o que aconteceu em 2015 por meio da famosa PEC da Bengala.
Essa mudança teve um impacto político, no adiamento da indicação de pelo menos dois ministros do supremo, mas também um impacto administrativo para milhares de servidores públicos2.
O texto aprovado na semana passada permite a criação de “indicações tampão” para os tribunais, já que os indicados agraciados pelas novas regras (que tem entre 65 a 70 anos de idade) ficariam menos de 10 anos no cargo.
Por outro lado, mesmo que no momento a chance de aprovação seja pequena, há uma PEC “desbengalizadora”, que propõe voltar a aposentadoria compulsória aos 70 anos.
O que seria, antes de mais nada, um movimento político, pois levaria a mudanças imediatas não só no STF mas em inúmeras cortes brasileiras.
Mas também geraria a situação inusitada de alguém ser indicado a um cargo e ficar apenas alguns meses e ser aposentado de maneira compulsória.
A questão é se as mudanças ficarão por ai ou não.
Tudo é um Roe x Wade?
A imagem acima é uma ilustração da abertura do corrente ano do judiciário. Ao que tudo indica (após o vazamento de uma minuta de decisão majoritária), quando junho chegar, o precedente de Roe x Wade será superado.
Ano passado li o ótimo livro, os Nove, e o resumo dos bastidores de trinta anos da Suprema Corte Americana é que tudo desaguava nessa decisão, cuja polêmica aumentou desde que o acórdão foi proferido há 50 anos.
Não tenho condição de me aprofundar totalmente no assunto, mas destaco que o princípio do stare decisis, em que o que decidido fica como foi decidido, corre risco de morte lá nos EUA, e no resto do mundo. Isso ainda terá muitas implicações em uma série de discussões.
Ainda sobre esse tema, alguns materiais interessantes:
Como o vazamento pode ter acontecido? (em inglês, SCOTUS blog).
Atualização em 24 de Junho de 2022: A Suprema Corte confirmou a derrubada de Roe versus Wade. A única novidade é que o resultado foi 5x4 ao invés de 6x3, o voto conservador a favor da manutenção de Roe foi do Chief Justice John Roberts. O resultado da votação não é a proibição do aborto nos EUA, mas sim a autorização para que os entes da federação editem leis que possam dificultar ou proibir o aborto.
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Ou ainda, comprando alguma indicação literária da Biblioteca da Quinze por Dia.
Continuam abertas às inscrições para o curso Processo Legislativo na Prática aqui em Cuiabá. No link há mais informações ou, se quiser, você pode entrar em contato comigo.
Vale o clique:
O tema é pesado e o conteúdo é forte, mas muito importante. Tomás Chiaverini fez mais uma grande edição do seu Rádio Escafandro onde os impactos da Lei da Alienação Parental (Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010) são discutidos3 (Atualização em 19 de maio de 2022, o projeto mencionado no episódio foi sancionado e virou a Lei 14.340/2022).
O analista de dados Daniel Marcelino explica os house effects e alguns vieses das pesquisas eleitorais no Jota.
O Consultor Legislativo João Trindade tece comentários sobre o excesso de temas constitucionalizados, no Conjur. Você sabia que na Suíça, há um dispositivo constitucional sobre direito fundamental a bicicletas. Ainda bem que essas coisas só acontecem por lá…
Quando uma votação simbólica4 fica confusa.
A Espanha pode ser o primeiro país europeu a adotar uma licença menstrual (de três dias), via Público.
Um livro infantil conta sobre o funcionamento de uma Câmara Municipal (via Renata Cunha):
No multiverso substacker, demorei mas conheci a newsletter Giro Latino. Por exemplo, na última edição, o tema foi o risco da nova constituição chilena ser reprovado na consulta popular:
Um fim do imbróglio de Alagoas? A Assembleia Legislativa elegeu um novo governador.
O Gustavo Miller relata sua passagem por El Savador e os impactos da adoção do Bitcoin como moeda por lá.
Quinze por Dia, ou simplesmente QPD, é uma newsletter quinzenal com temas sobre processo legislativo, política e afins, por Gabriel Lucas Scardini Barros. Se você recebeu esse e-mail de alguém ou chegou pelo navegador, siga esse link para assinar.
A medida não vale para os tribunais de conta dos estados e dos munícipios, mas assim que a PEC for promulgada, os entes federativos poderão promover as adequações.
Vide a Lei Complementar 152/2015.
Inclusive esse ano foi discutido e aprovado o Projeto de Lei n° 634, de 2022, que trata de alterações à Lei n° 12.318, de 26 de agosto de 2010.
Votação simbólica é aquela modalidade onde o presidente do parlamento anuncia que os favoráveis à proposta em votação devem permanecer como estão e os contrários devem se manifestar.