Consultas Populares: A grande novidade das Eleições de 2024
E se os vereadores da sua cidade pedissem sua opinião?
Como nenhuma reforma eleitoral foi aprovada em tempo hábil em 2023, as eleições municipais de 2024 acontecerão sob praticamente as mesmas regras da eleição de 2022.
Só que quando as regras para 22 foram definidas1, também houve uma nova regra, exclusiva para as eleições municipais.
Além de votar para vereador e prefeito, poderá aparecer na urna quesitos de consultas populares sobre questões locais aprovadas pelas Câmaras Municipais.
Além de votar para vereador e prefeito, quesitos de consultas populares sobre questões locais aprovadas pelas Câmaras Municipais poderão aparecer na urna eletrônica.
Quais temas podem ser objeto desta consulta? Qual a dinâmica desse instrumento em meio às eleições municipais? E como operacionalizar isso?
Vamos tentar responder essas e outras perguntas.
A consulta pública será sobre o quê?
A definição da consulta pública pela Câmara Municipal passa por dois eixos, o primeiro deles é o assunto em si. Qual questão local será abordada. Vale lembrar que há um paralelo com a própria competência legislativa do município para legislar sobre assuntos de interesse local2.
A ideia de "interesse local" na legislação municipal pode ser um tanto vaga, o que pode causar confusão em situações onde os interesses locais e regionais se misturam.
A lei municipal pode dispor sobre o horário de funcionamento das unidades de educação infantil, mas isso não impede a existência de regras estaduais e e federais sobre educação.
No entanto, essa flexibilidade permite uma adaptação da interpretação da Constituição conforme certas atividades e serviços evoluem ao longo do tempo. Há espaço para experimentação do vereador.
A consultar popular nas eleições de 2024 pode versar sobre uma gama de assuntos muito ampla, mas o que se faz necessário ter uma opinião de toda população do município?
Temas difíceis e polêmicos.
Os vereadores, na condição de representantes da população do município, têm a legitimidade para decidir sobre qualquer assunto de interesse local, mas ser subsidiado pela manifestação da população pode ajudar muito.
Um exemplo é o caso de Orleans, Santa Catarina, o município se encontra em uma região de exploração de carvão, mas há um interesse da comunidade em que exista esse tipo de atividade na área municipal. Foi editada uma lei sobre isso, que foi declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça catarinense3. Esse caso foi destaque em um episódio do podcast
.Seria o caso da Câmara Municipal tentar transformar a discussão em uma consulta pública, sobre a vontade ou não da realização desse tipo de atividade no município. O resultado pode fundamentar decisões políticas e políticas públicas não só em âmbito municipal.
Um aspecto muito interessante é que não há previsão da consulta pública estar ligada à uma proposta legislativa ou a uma norma, ela pode versar sobre temas ligados à função fiscalizatória do Poder Legislativo, por exemplo.
Algumas outras sugestões de tema para consulta pública:
Municípios Pequenos:
Preservação do Patrimônio Histórico: Discussão sobre medidas para preservação e restauração do patrimônio histórico local.
Fomento ao Turismo Local: Opinião sobre estratégias para promover o turismo na região, como eventos culturais e melhorias em infraestrutura turística. Vale a pena a cidade fazer uma festa agropecuária com muito investimento público?
Melhoria na Infraestrutura Básica: Discussão sobre a destinação de recursos para melhorias em infraestrutura, como estradas rurais, abastecimento de água e saneamento básico.
Programas de Inclusão Social: Opinião sobre a implementação de programas sociais voltados para inclusão de grupos vulneráveis na comunidade.
Municípios Médios:
Constituição e Ampliação de Áreas Verdes: Consulta sobre a destinação de recursos para a criação e manutenção de áreas verdes e parques na cidade.
Modernização do Transporte Público: Opinião sobre a implementação de novas tecnologias e melhorias no transporte público, como ônibus elétricos, sistemas de mobilidade integrada e até mesmo transporte por aplicativo.
Desenvolvimento de Áreas Comerciais: Opinião sobre a expansão e desenvolvimento de áreas comerciais, visando o estímulo ao comércio local e desenvolvimento de áreas específicas do município.
Inovação em Serviços Públicos: Opinião sobre a implementação de tecnologias inovadoras para melhorar a prestação de serviços públicos, como atendimento online e sistemas de gestão eficientes.
Municípios Grandes:
Expansão de Ciclovias e Calçadas: Consulta sobre a expansão de infraestrutura para pedestres e ciclistas, visando a mobilidade sustentável.
Incentivo à Inovação Tecnológica: Discussão sobre políticas para atrair empresas inovadoras e fomentar o desenvolvimento tecnológico no município.
Gestão de Resíduos Sólidos: Opinião sobre estratégias para aprimorar a gestão de resíduos, como coleta seletiva e incentivo à reciclagem.
Iniciativas de Resiliência Urbana: Consulta sobre estratégias de planejamento urbano para enfrentar desafios como mudanças climáticas, enchentes e outros eventos extremos.
Essas são apenas algumas poucas sugestões. O campo é vasto e uma fonte de ideias é a jurisprudência existente sobre o dispositivo constitucional que trata da competência local.
E mais, alguém dúvida que alguma câmara municipal aprovará alguma pergunta inusitada, como, por exemplo, consultar se a população prefere jaca ou pequi como fruta oficial do município?
Se você tem uma mais alguma ideia sobre temas de consulta pública, deixe no comentários ou nos conte por qualquer outro contato.
Como será feita a consulta pública?
O segundo eixo da consulta pública é a formação dos quesitos da consulta. Pela análise do texto constitucional, a consulta não ficará restrita apenas a uma pergunta e pode ter vários quesitos, desde que sejam observados os limites operacionais relativos ao número de quesitos.
Parece algo simples, mas não é. Os quesitos precisam ser simples e claros, para que sejam entendidos por toda a população.
Basta lembrar a confusão que aconteceu no referendo realizado sobre a comercialização de armas no Brasil, dias antes do pleito, quase trinta por cento dos entrevistados se confundiam com o quesito único.
Uma boa regra é apresentar o quesito para várias pessoas, perguntar o que cada um entendeu e se há algumas dúvidas. Recolhidas as respostas, hora de reformular o texto (geralmente, cortando palavras em excesso e trocando termos).
Nas eleições municipais já existem duas votações, para prefeito e para vereador, muitos quesitos podem confundir o eleitor.
Vai ter campanha para as consultas?
A Constituição Federal vedou expressamente a utilização de propaganda gratuita no rádio e na televisão para promover as manifestações favoráveis ou contrárias às questões incluídas nas consultas.
Ainda assim, a sociedade pode se organizar para espalhar sua opinião para as consultas postas.
Outra maneira de utilização dessas consultas será uma campanha “casada” com candidatos à prefeitura e a câmara municipal. Uma grande ferramenta de marketing ou uma âncora para a campanha, o tempo dirá…
É preciso mudar o Regimento da Câmara para dispor sobre isso?
A primeira questão é definir se o instrumento normativo para definir os quesitos: Requerimento, Resolução, Decreto Legislativo ou Indicação?
Essa discussão pode ser profunda, mas por aqui a opção é pelo Decreto Legislativo, por sua natureza de interagir com entidades externas à Câmara Municipal.
De qualquer maneira, bastaria a aprovação da proposta do quesito, sem necessariamente existir uma previsão regimental específica.
Mas também podem existir regras regimentais, como a obrigatoriedade de votação em redação final, objetivando a revisão da clareza dos quesitos, a forma de que a Justiça Eleitoral será avisada pela Câmara (lembrando que o prazo é de 90 dias, o que segundo o calendário do TSE é no dia 08 de julho, uma segunda-feira).
Em geral, o projeto propondo quesitos para consulta pública vai poder ser apresentado por um ou mais vereadores ou por comissão parlamentar. A tramitação será a ordinária regimental para o tipo de proposta apresentada.
Vale lembrar que o TSE muito em breve deve regulamentar as consultas públicas.
Vai ter impugnação?
Sempre vai, né? Se os quesitos da consulta não dispuserem sobre questões locais, eles serão inconstitucionais.
Podem ter parecer contrário em Comissão de Constituição e Justiça da câmara municipal, ser objeto de questionamentos na justiça (inclusive no STF).
E o TSE?
A grande ironia desse texto sobre uma expressão da democracia é que vai aparecer mais uma referência à família real: o Tribunal Superior Eleitoral publicou uma matéria recentemente onde colocou uma consulta realizada em Petrópolis, em 2018, como inspiração para as novas consultas populares.
Foi realizado na cidade um plebiscito sobre o uso de de charretes com tração animal nos passeios turísticos da área histórica da cidade. A população rejeitou a medida, decisão que foi homologada pelo tribunal em seguida.
Este que vos escreve participou da Audiência Pública para discutir a minuta da resolução dos atos gerais do processo eleitoral.
Falei sobre a possibilidade de definição do tipo normativo para apresentação de consulta popular e alertei sobre o perigo desse instituto ser sequestrado pelo abuso econômico.
Minha fala está aqui.
E as resoluções eleitorais?
O maior detalhamento sobre consultas populares está na Resolução nº 23.385/2012, só que ela trata principalmente de plebiscito e referendo. O que a Emenda Constitucional 111 nos trouxe parece ser um instituto diferente com regras próprias e constitucionalmente autônomas.
As Resoluções do TSE que disciplinam o pleito de 2024 mencionam as consultas populares apenas de passagem.
Finalmente, quero registrar que sou grato à Marina Delfino, que trabalhou na Câmara Municipal de Belo Horizonte. A primeira pessoa que ouvi falar sobre as Consultas Populares.
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Inciso I, Art. 30 da Constituição Federal.
Penso que se a ADI fosse discutida no STF, poderia haver um resultado diferente.
Suas colocações são mais que instrutivas. Necessárias para conhecimento geral. Parabéns!