Iniciativa Controlada
As leis podem melhorar se diminuirmos o número de projetos de lei?
Em 2023, foram apresentados 5.406 projetos de lei na Câmara dos Deputados, uma média de mais de dez por deputado. Esses novos projetos se somaram a um acervo de dezenas de milhares de propostas já em tramitação.
Além disso, há uma série de outros projetos, como Propostas de Emenda à Constituição (PECs) e Projetos de Lei Complementar.
Por mais que apenas uma pequena fração desse projeto vire uma norma, não é difícil de constatar que há um número excessivo de propostas.
O fato é que as casas legislativas, desde o Congresso Nacional até as Câmaras Municipais, não foram projetadas para tramitar tantos projetos.
Com as ferramentas disponíveis hoje (seja por meio do “copiar e colar” ou da inteligência artificial), a barreira para a apresentação de projetos é praticamente inexistente.
Se o parlamentar desejar, haverá um projeto sobre praticamente qualquer tema pronto para ser apresentado. Se será aprovado, é outra história.
Mas qual a razão para apresentarem tantos projetos?
Acredito que tudo começa com uma tentativa de promover responsividade1, já que, para muitos, a quantidade de projetos é uma forma de medir o trabalho parlamentar.
Nesse sentido, há uma mudança no foco, que antes recaía sobre o relator de uma proposta — geralmente responsável por se debruçar sobre o tema e ajudar a construir o texto final —, e que agora se volta para o autor da proposição.
Apesar de possuir a iniciativa, o autor tem pouco controle sobre os rumos que as discussões tomarão.
Ainda assim, a imprensa cobra esse tipo de produtividade e, por vezes, faz rankings de parlamentares com mais projetos apresentados, ao mesmo tempo em que critica a quantidade excessiva ou a qualidade de algumas propostas.
Alguns parlamentares também apresentam vários projetos para terem um acervo de temas a serem utilizados quando algum desses assuntos ganhar destaque na sociedade.
No entanto, uma análise das atuações parlamentares mostra que, muitas vezes, vale mais um bom projeto que dialogue com os anseios da sociedade do que uma centena de propostas sem impacto legislativo significativo.
Proposta para equilibrar o jogo
Recentemente, o João Trindade, consultor do Senado e autor de um grande livro sobre Processo Legislativo Constitucional, abordou o tema em um artigo no Conjur.
Ele sugeriu que, para a apresentação de um novo projeto, este deveria ser subscrito por um décimo dos parlamentares, ou seja, 51 deputados federais ou 8 senadores (arredondando para baixo em ambos os casos).
No entanto, em muitas Assembleias Legislativas, esse requisito de um décimo pode representar apenas duas ou três assinaturas. Em boa parte das Câmaras Municipais, nem isso.
Nossa proposta também se baseia na ideia de exigir uma quantidade mínima de assinaturas, mas não de imediato.
Em outra ótima obra, Devido Processo Legislativo, do também consultor do Senado, Victor Marcel Pinheiro, é lembrado que a menor minoria possível dentro de um parlamento é um único parlamentar.
Em homenagem ao princípio democrático, pode-se adotar um mecanismo similar ao utilizado nos requerimentos de criação de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs).
O STF já considerou constitucional que haja um limite na criação de CPIs quando o regimento interno da Casa Legislativa prever um número máximo de CPIs funcionando ao mesmo tempo2.
Essa ideia surge da necessidade da Casa Legislativa processar de maneira eficiente uma grande quantidade de CPIs ou, na nossa proposta, propostas legislativas.
Cada parlamentar manteria sua iniciativa individual, mas, após a apresentação de um certo número de projetos (o número ideal variará conforme a realidade de cada casa legislativa), haveria duas opções:
Novos projetos só poderiam ser apresentados se obtivessem o apoio de mais parlamentares.
Para a apresentação de novos projetos, seria necessário concluir a tramitação dos projetos anteriores, com sua aprovação ou rejeição. O pedido de arquivamento não restauraria a possibilidade de iniciativa individual.
Paralelamente, pode haver um estímulo para a apresentação de propostas por bancadas partidárias ou comissões permanentes.
Mas como implementar essa proposta?
Primeiramente, como o professor João Trindade mencionou, talvez não haja vontade legislativa para inovar nesse sentido.
A segunda questão é que o STF entende que o próprio processo legislativo constitucional, estabelecido pela Assembleia Constituinte, é uma cláusula pétrea3.
Logo, a criação da necessidade de apoiamento para a apresentação de projetos de lei pode ser considerada inconstitucional.
No ambiente atual, há uma visão de que essa medida é necessária em razão da inflação legislativa e da sobrecarga operacional nos parlamentos.
No entanto, não é difícil vislumbrar situações em que a restrição da iniciativa legislativa de um único parlamentar possa ser vista como um atentado ao princípio democrático.
Como sempre, o problema é o excesso, o abuso da iniciativa individual.
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Qual o ponto ótimo para o nível de desigualdade de um país? Artigo de Fernando Meneguin e Pedro Fernando Nery, ambos consultores do Senado.
Patricia Roedel escreve sobre a norma ABNT de Linguagem Simples.
O Pedro Nery escreveu a minha leitura atual o ótimo Extremos: Um mapa para entender as desigualdades no Brasil. Por meio das visitas que o autor faz a lugares chave para explicar as grandes diferenças do Brasil. 2024 é o ano dos livros dos consultores do Senado.
Google Trends das eleições municipais.
A newsletter do Legisla Brasil veio com dois materiais interessantes: Um relatório sobre os 500 dias de mandato do Congresso Nacional e um texto em inglês falando como o lobby pode melhorar as leis.
453.302 candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador em 2024. São mais de 100 mil candidatos a menos do que 2020, muito por conta do tamanho das chapas proporcionais. Nas últimas eleições a chapa poderia ter candidatos em número equivalente a uma vez e meia o número de cadeiras em disputa na câmara municipal, agora a chapa vai poder ser no máximo do tamanho da câmara mais um.
Só faltou se chamar Leonardo:
Você sabe o que é o processo estrutural? Sente a necessidade de uma lei desse tipo de processo? Um texto interessante sobre o tema.
Em praticamente um terço dos processos, utilização de IA nas campanhas foi considerada irregular (via Aos Fatos).
O CNJ criou um modelo-padrão para as ementas das decisões judiciais, mais uma ação no contexto de simplificar o entendimento dos tramites jurídicos. Que tal pensar em algo para o legislativo?
O senado estadunidense aprovou uma norma de maneira acidental?
Vizinhança
Quinze por Dia, ou simplesmente QPD, é uma newsletter quinzenal com histórias, pensamentos e indicações sobre temas ligados ao Poder Legislativo, política e afins, por Gabriel Lucas Scardini Barros. Estou à disposição para conversar no Instagram @gabriel_lucas. Caso tenha recebido esse e-mail de alguém ou chegou pelo navegador, siga esse link para assinar.
O Congresso Nacional, no exercício de sua atividade constituinte derivada e no desempenho de sua função reformadora, está juridicamente subordinado à decisão do poder constituinte originário que, a par de restrições de ordem circunstancial, inibitórias do poder reformador (CF, art. 60, § 1º), identificou, em nosso sistema constitucional, um núcleo temático intangível e imune à ação revisora da instituição parlamentar. As limitações materiais explícitas, definidas no § 4º do art. 60 da Constituição da República, incidem diretamente sobre o poder de reforma conferido ao Poder Legislativo da União, inibindo-lhe o exercício nos pontos ali discriminados. A irreformabilidade desse núcleo temático, acaso desrespeitada, pode legitimar o controle normativo abstrato, e mesmo a fiscalização jurisdicional concreta, de constitucionalidade.
[ADI 466, rel. min. Celso de Mello, j. 3-4-1991, P,DJde 10-5-1991.]