Quando falo sobre o processo legislativo, sempre menciono as Leis Delegadas. E a conversa termina rapidamente.
Em resumo: o Congresso autoriza o Presidente a escrever uma lei específica como quiser. Desde 1988, isso aconteceu apenas duas vezes, ambas sobre gratificações de servidores (uma para civis e outra para militares). Como a iniciativa popular, que existe na teoria, mas na prática só aparece em concursos.
Mas e se a delegação fosse para outro lugar?
Outros países escolheram um caminho diferente. Ao invés de delegar poder para presidentes, delegam para cidadãos comuns. O exemplo mais fascinante vem da Irlanda.
Para explicar essa experiência, trago a fala do cientista político Miguel Lago no podcast Fio da Meada. Segundo ele, a democracia representativa falha porque exclui pessoas. Os candidatos precisam estar em partidos (controlados por burocracias que excluem mulheres e negros) ou ter dinheiro para se eleger.
A alternativa? Assembleia por sorteio.
"A ideia é você realmente ter uma Assembleia representativa da população", explica Lago. Se a população tem 55% de mulheres negras, a assembleia terá 55% de mulheres negras. É representação estatística, não política.
Na Irlanda funciona assim:
O governo propõe um tema. O parlamento aprova a discussão. Uma Assembleia de Cidadãos é criada, com membros sorteados respeitando a composição da sociedade irlandesa.
Durante meses, esses cidadãos ouvem especialistas, analisam evidências científicas e escutam defensores de cada lado do debate. Depois fazem recomendações.
O parlamento e o governo devem analisar e responder a essas recomendações. Elas não são obrigatórias, mas algo impressionante aconteceu: em uma das experiências irlandesas, feita antes de um referendo, a votação da assembleia teve exatamente o mesmo percentual da votação popular.
Cidadãos comuns, quando bem informados, decidem como a população inteira.
Isso não acontece só na Irlanda.
A OCDE identifica experiências similares em 89 países. A surpresa? O Brasil está na lista. Fortaleza criou um Conselho de Cidadãos para discutir destinação do lixo na capital cearense.
Pequenos passos. Mas que levantam uma questão provocante: se políticos podem tomar decisões pelos cidadãos, por que não cidadãos sorteados, estatisticamente representativos da população, não podem participar do processo decisório?
Não se trata de acabar com eleições, mas de complementá-las. A democracia representativa funciona melhor quando representantes eleitos contam com a sabedoria coletiva de cidadãos comuns, devidamente informados e livres de pressões eleitorais.
Avisos e proclames
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Para saber mais sobre Assembleia dos Cidadãos, há uma página com muita informação sobre a experiência irlandesa. E também uma publicação da
.Preparando a edição de hoje, conheci o Coletivo Delibera Brasil que atua justamente no incentivo de Assembleia de Cidadãos no país.
Vale o clique
Um importante texto para discussão do Senado Federal: PROCESSO LEGISLATIVO EM DEBATE - Tendências e possibilidades de aperfeiçoamento, com coordenação do consultor Victor Marcel Pinheiro.
Tribunais de contas podem julgar prefeitos que ordenam despesas, decide STF. Esse notícia chamou atenção, a decisão trata de contas de gestão (julgamentos pontuais de atos como licitações, por exemplo). As contas de governo, aquelas julgadas anualmente, todo executivo como um todo, permanecem sob a responsabilidade das Câmaras Municipais.
E o dia que o Congresso dos EUA teve um projeto para importação de hipopótamos para serem soltos no bayou da Luisiana:
Lucas Lago, da newsletter Impressa e Auditável, entrevista Luís Locatelli sobre a organização interna dos partidos políticos.
Vizinhança
Quinze por Dia, ou simplesmente QPD, é uma newsletter quinzenal com histórias, pensamentos e indicações sobre temas ligados ao Poder Legislativo, política e afins, por Gabriel Lucas Scardini Barros. Estou à disposição para conversar no Instagram @gabriel_lucas. Caso tenha recebido esse e-mail de alguém ou chegou pelo navegador, siga esse link para assinar.
Imagina se aqui desejam que a população se manifeste... seria maravilhoso se ainda que com os representantes (desproporcionais do nosso sistema, que esquecem a que vieram no dia seguinte à divulgação dos resultados das urnas) pudessemos atuar em conjunto.
Quase um subgrupe eleitoral !