E no caminho do Legislativo, houve uma pandemia
A covid-19 e as inovações e desafios no Legislativo
Para quem trabalha em uma Casa Legislativa, um dos temas de discussão recorrente são quais das inovações dos nossos tempos poderiam ser implementadas em um parlamento.
Muitos instrumentos possíveis como sessões remotas, virtuais e até mesmo votações assíncronas sempre estiveram em um campo ideal, que talvez pudesse ser implementado no futuro.
Eis que uma pandemia mudou tudo.
Na semana do dia 16 de março de 2020, questões sobre a necessidade de isolamento social foram se tornando mais fortes, pois já estava claro que a covid-19 chegaria ao Brasil e poderia produzir grandes estragos.
A realidade mudou de maneira radical, mudanças capitaneadas pelas casas do congresso nacional, mas que chegaram a várias assembleias e câmaras municipais.
Segundo levantamento feito pela Inter-Parliamentary Union1, o Congresso Nacional Brasileiro se destacou pela adoção de sessões remotas ao lado do parlamento espanhol, que já utilizava participação remota em algumas situações.
A inovação se espalhou, mas cada casa legislativa teve que lidar com suas peculiaridades, já que cada regimento interno dispõe de maneira peculiar sobre o funcionamento das sessões e votações.
Reunir os parlamentares sob um mesmo aplicativo de teleconferência já é um desafio imenso.
Mas adaptar questões regimentais tem um nível mais complexo e profundo, que exigiu muita criatividade.
Há a necessidade de garantir oportunidade para fala e voto aos parlamentares de maneira clara.
As Casas Legislativas brasileiras adotaram uma forma mais ou menos parecida de fazer a sessão remota, que acabou sendo diferente das já estabelecidas sessões virtuais dos órgãos de julgamento.
Por meio de um aplicativo (na maioria das vezes o Zoom), os parlamentares se reúnem ao mesmo tempo e votam as matérias. Com o passar do tempo, também surgiram aplicativos que possibilitaram o voto remoto.
Novos paradigmas no controle de constitucionalidade
Mas o impacto da pandemia não se restringiu a forma de realização no trabalho nos parlamentos.
O Supremo Tribunal Federal realizou uma série de julgamentos de temas que vão de vacinação compulsória até a redução obrigatória de mensalidades.
A iniciativa legislativa dos estados membros mudou por conta de discussões que aconteceram em decorrência da pandemia.
No meio de todos esses embates destacou-se o julgamento abaixo:
São constitucionais as normas estaduais que veiculam proibição de suspensão do fornecimento do serviço de energia elétrica, o modo de cobrança e pagamentos dos débitos e exigibilidade de multa e juros moratórios, limitadas ao tempo da vigência do plano de contingência, em decorrência da pandemia de Covid-19, por versarem, essencialmente, sobre defesa e proteção dos direitos do consumidor e da saúde pública. (...) É concorrente a competência da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar sobre consumo e proteção à saúde pública, nos termos dos incs. V e XII do art. 24 da Constituição da República. As normas impugnadas, excepcionais e transitórias, editadas em razão da crise sanitária causada pelo novo coronavírus, não interferem na estrutura de prestação do serviço público de energia elétrica, nem no equilíbrio dos respectivos contratos administrativos.
[ADI 6.432, rel. min. Cármen Lúcia, j. 8-4-2021, P, DJE de 14-5-2021.]
Discussões sobre o Direito do Consumidor em áreas de serviços regulados, como energia elétrica e telecomunicações, invariavelmente ficavam a cargo do órgão regulador e da competência de iniciativa legislativa no âmbito da União (seja do Executivo ou mesmo parlamentar). A ADI 6432 e outras, que discutiram normas semelhantes, inovaram de fato.
Um contraponto
Nem tudo são flores nas inovações introduzidas nos Parlamentos, em um ensaio de Andresa Porto, Marcello Fragano Baird e Melissa Mestriner, publicado no Nexo, foi destacada a dificuldade de articulação da sociedade civil organizada perante esse legislativo de sessões remotas e híbridas.
Tal situação resultou em um manifesto assinado por 121 entidades que, em linhas gerais, clamou pela retomada e ampliação da participação que a sociedade sempre teve na esfera pública e asseverou que o novo ritmo imposto ao cenário nacional demanda a escuta ativa da população.
O futuro
A pandemia não acabou, mas o avanço da vacinação e consequência queda dos números, já proporcionou o retorno presencial da maioria dos parlamentos.
Entretanto, muitas iniciativas devem prevalecer, a Câmara dos Deputados já instituiu um grupo de estudos para regimentalizar as sessões hibridas2.
Existem também outras discussões que começam a ser fomentadas, como reuniões virtuais, mais ou menos como os julgamentos do plenário virtual do STF, com votação assíncrona entre os parlamentares.
E qual inovação você gostaria de ver no legislativo?
Para continuar no nosso tema de hoje:
Uma edição do podcast Legis-Ativo lá de abril de 2021.
Uma live do Sérgio Lerrer com a diretora-geral do Senado, Ilana Trombka.
Um levantamento do Radar Governamental.
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Histórias de Tribunal e Glenn Fleshler
Em um dos primeiros episódios da série de tv Billions , o advogado vivido pelo ator Glenn Fleshler faz uma piada com o promotor interpretado por Toby Leonard Moore chamando de “Claude Dancer”. Não acreditei na referência.
Claude Dancer é o nome de um personagem do livro Anatomia de um Crime, do estadunidense John D. Voelker sob o pseudônimo de Robert Traver.
Assim como a série Billions, que teve sua quinta temporada interrompida ano passado em razão da pandemia (e que recentemente voltou com os novos episódios “seguindo todos os protocolos sanitários”), minha lista de leitura também foi atravessada pela crise sanitária, pois resolvi aproveitar e ler apenas livros que tinha em casa, que por alguma razão estivessem na estante, carentes de leitura.
Não sei como esse livro, originalmente publicado em 1958, acabou ficando carente lá na minha estante, mas confesso que me surpreendi. Apesar de todo o clima anacrônico da história, acredito que Voelker atingiu seu objetivo ao tentar criar uma novela sobre a atividade jurídica real.
Acompanhamos o advogado Paul Biegler na discussão de honorários, pesquisa de jurisprudência para finalmente chegar a sua atuação no júri. Acreditem é bem divertido.
Anatomia de um Crime virou um filme homônimo, ganhador de Oscar e com trilha de Duke Ellington, entretanto ainda não tive a oportunidade de assistir.
Essa semana, terminei a primeira temporada de uma outra série que tem a atuação de Glenn Fleshler, a série For Life.
A série conta um história baseada na vida Isaac Wright Jr. que foi acusado e condenado pelo crime de tráfico de drogas. Na prisão, ele estudou Direito e eventualmente teve um novo julgamento onde foi absolvido.
Baseada na premissa acima, a série cria um bom roteiro ficcional e tem duas temporadas (foi cancelada mas pode mudar de casa e ter uma terceira temporada).
Vale constar que Isaac ensaia uma candidatura para a prefeitura de Nova Iorque.
Outros QPDs…
E mais..
O Observatório para a Qualidade da Lei conduziu um ótimo webinar com o tema “Estudos em Legística”. O primeiro dia está aqui e o segundo está aqui.
A edições Câmara lançou a 6ª edição do Curso de Regimento Interno da Câmara dos Deputados, por André Corrêa de Sá Carneiro, Luiz Claudio Alves dos Santos e Miguel Gerônimo da Nóbrega Netto. Uma das melhores e mais acessíveis obras para aprender sobre Regimento Interno e assuntos correlatos. Nesse link há opção de compra do livro ou do download gratuito do e-book.
Maranhão e Bahia avançam em ações de monitoramento e avaliação de políticas públicas, por Rodrigo Pedroso.
A Câmara de Curitiba atacou de Round 6 (aquela série que virou um dos maiores sucessos da Netflix).
O Senador pelo Espirito Santo, Fabiano Contarato, fez história na CPI, mas também traçou linha importantes sobre construção de politicas públicas além do discurso em sua participação no podcast Malu tá On. Além das manifestações, qual a atitude completa no processo legislativo?
Já que a CPI do Covid está em sua reta final, vale ler o texto sobre os poderes da CPI, de Miguel Gerônimo no blog Metapolítica. O Nexo também fez uma matéria nesse sentido.
Desafios e oportunidades para o ensino pós-COVID, via Portal Sigalei.
Essa edição da newsletter Texto sobre Tela começa a falar em pós-minimalismo e ruma para o aspecto político do design.
Relatório analisa a atuação e o desempenho das principais páginas da base ligada ao Presidente da República no Facebook, entre janeiro de 2020 até 29 de agosto de 2021, via Manchetômetro.
Revista de Informação Legislativa v. 58, do Senado Federal.
Quinze por Dia, ou simplesmente QPD, é uma newsletter quinzenal com temas sobre processo legislativo, política e afins, por Gabriel Lucas Scardini Barros. Se você recebeu esse e-mail de alguém, siga esse link para assinar.
O IPU mantém uma página compilando as medidas tomadas por parlamentos de diversos países diante da pandemia de covid-19.
A sessão hibrida pode ser interessante no caso do Congresso Nacional, e Assembleias de estados com grande território. Também existe a possibilidade de utilização de participação remota, em sessões plenárias hibridas, como pelas lactantes, por exemplo.