E se você escolhesse a forma de governo? O plebiscito esquecido que ainda ecoa no Brasil
Já imaginou poder votar para mudar completamente a estrutura de governo do Brasil? Não estamos falando apenas de escolher um novo presidente, mas de decidir se continuamos como república ou se voltamos a ser uma monarquia. Se mantemos o presidencialismo ou adotamos o parlamentarismo.
Em 1993, isso aconteceu de verdade.
O Brasil e sua encruzilhada democrática
Desde a proclamação da república em 1889, o Brasil seguiu predominantemente o modelo presidencialista, com breves interrupções durante períodos ditatoriais.
houve uma alteração na Constituição de 1946, logo após a renúncia de Jânio Quadros, e foi implantado o sistema parlamentarista, que durou pouco tempo, pois em 1963 houve um referendo que rejeitou o novo sistema.
A Constituição de 1988 retomou o tema. O artigo segundo do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias previa que a população brasileira iria às urnas para fazer uma escolha inédita e monumental: decidir tanto a forma de governo (república ou monarquia constitucional) quanto o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo).
Inicialmente marcado para 7 de setembro de 1993, dia da independência, o plebiscito foi antecipado pela emenda constitucional nº 2 para 21 de abril — data simbólica que homenageia Tiradentes e feriado nacional.
A batalha das ideias
O debate mobilizou as principais lideranças políticas do país. Em seu livro "Batalhas Eleitorais: 25 Anos de Marketing Político", Chico Santa Rita relata sua participação na campanha defendendo a república presidencialista, usando inclusive o hino nacional como estratégia emocional para conectar os eleitores ao modelo vigente.
Entre os defensores do presidencialismo estavam figuras como Leonel Brizola, Marco Maciel (que posteriormente seria vice-presidente), Luiz Inácio Lula da Silva e Orestes Quércia.
Curiosamente, parte significativa do PT, incluindo José Genoíno, Aloizio Mercadante e José Dirceu, posicionou-se a favor do parlamentarismo.
Do lado parlamentarista, o movimento reuniu nomes como José Richa, Fernando Henrique Cardoso, Fleury, Mário Covas, Paulo Maluf, Tasso Jereissati e Ciro Gomes — uma coalizão que unia políticos que normalmente estariam em campos opostos.
O veredicto popular
Mais de 66 milhões de eleitores compareceram às urnas naquele 21 de abril de 1993.
O resultado foi claro: 66,28% optaram pela república (contra 10,25% pela monarquia) e 55,41% escolheram manter o presidencialismo (contra 24,65% pelo parlamentarismo).
Em essência, o Brasil decidiu pela continuidade.
O que poderia ter sido diferente?
Se o Brasil tivesse escolhido o parlamentarismo em 1993, possivelmente teríamos vivenciado menos crises institucionais. Em sistemas parlamentaristas, quando o governo perde apoio majoritário no parlamento, novas configurações são formadas sem necessariamente traumatizar o país com processos de impeachment.
Por outro lado, se a monarquia constitucional tivesse vencido, teríamos hoje um monarca como chefe de Estado — algum descendente da família imperial — exercendo função predominantemente simbólica, enquanto o governo seria conduzido por um primeiro-ministro.
O debate ressurge: semipresidencialismo em pauta
Trinta anos após aquele plebiscito histórico, o debate sobre nosso sistema de governo volta à tona. Tramita atualmente na Câmara Federal uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para instituir o semipresidencialismo no Brasil.
Neste modelo híbrido, o presidente da República continuaria a ser eleito diretamente pelo voto popular, mas dividiria o poder com um primeiro-ministro escolhido entre os deputados e indicado pelos partidos com maioria na Câmara.
Diferentemente de 1993, esta proposta não prevê consulta à população. A decisão ficaria restrita ao Congresso Nacional, levantando questões sobre legitimidade democrática em uma mudança tão fundamental.
O que você acha? Estaria o Brasil finalmente maduro para uma transformação em seu sistema de governo, ou as fragilidades apontadas há três décadas ainda persistem?
O Senado Federal tem uma matéria com bastidores da disputa.
“A velhice e a democracia são iguais: ambas dão muito trabalho - mas alternativa é muito pior.” Beppe Severignini (vi aqui).
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