Vizinhos: um pouco sobre as eleições municipais
Um vereador estadunidense, ao perceber que os problemas de seu município eram muito maiores do que sua capacidade de resolução, fez uma reflexão baseada na história do bom samaritano, mencionada por ele em seu TED Talk:
Uma vez, um cara perguntou a Jesus: "Quem é o meu semelhante?
Quem é o meu compatriota? Por quem sou responsável?"
Em vez de uma resposta curta, Jesus respondeu com uma parábola.
Ele disse que havia um homem em uma jornada, andando pelo caminho de Jericó. Enquanto seguia por lá, foi espancado, deixado à beira do caminho, despido de suas roupas, teve tudo roubado e foi deixado para morrer.
Então, veio um sacerdote, viu o homem à beira do caminho, fez talvez uma oração silenciosa, esperanças e orações, orações para que ele melhorasse.
Talvez tenha visto o homem à beira do caminho e imaginado que havia sido decisão de Deus que esse homem ou esse tipo específico estivesse à beira do caminho e que não poderia fazer nada para mudar isso.
Depois que o sacerdote passou, talvez um político tenha passado; um político de 28 anos, por exemplo. Ele viu o homem à beira do caminho e como ele foi espancado, viu que o homem era vítima de violência ou fugia da violência.
O político decidiu: "Sabe de uma coisa? Em vez de receber esse homem, vamos construir um muro". Talvez o político tenha dito: "Talvez esse homem tenha escolhido ficar à beira do caminho. Se ele melhorar de vida por esforço próprio, apesar de ter sido roubado, e retomar suas atividades, poderá se dar bem, e não há nada que eu possa fazer".
Então, finalmente, minha avó disse: "Veio um bom samaritano, viu o homem à beira do caminho e o que viu não foram séculos de ódio entre judeus e samaritanos, nem os medos dele refletidos, nem a ansiedade econômica, nem 'o que acontecerá comigo por causa das mudanças', mas viu um reflexo de si mesmo.
Ele viu o seu semelhante, um ser humano igual a ele. Não apenas viu, mas fez algo a respeito", disse minha avó. "Ele se ajoelhou, certificou-se de que o homem estava bem, e ouvi dizer que até lhe deu um quarto num belo hotel, daqueles bem bacanas."
Qautor dessa fala foi Michael Tubbs, que, tempos depois, foi eleito prefeito de Stockton.
Algo que o marcou profundamente foi a constatação de um grande abismo entre os dados de renda e emprego de dois bairros vizinhos, com códigos postais próximos.
Esse é um traço de realidade comum também no Brasil.
Por aqui, na grande maioria das cidades, elegemos prefeitos e vereadores que encontram realidades muito diferentes convivendo lado a lado, apesar de, de certa forma, utilizarem os mesmos serviços.
Mesmo que algumas pessoas vivam em bolsões de conforto e tranquilidade, na rua, todos usam as mesmas facilidades: ruas, iluminação pública, coleta de lixo, distribuição de água e esgoto.
O que muda é a qualidade desse atendimento.
Margaret Thatcher dizia que a sociedade não existe, apenas os homens, as mulheres e as famílias.
Mesmo assim, será que, com contribuições individuais, não podemos melhorar nosso espaço de convivência, já que todos ocupamos os mesmos espaços?
Como a cidade pode ser boa para mim se não é boa para o meu vizinho?
Esse ano a QPD ficou meio distante das eleições (já na pessoa física, gravei até vídeo), mas te convido a ver se os textos de 2022 envelheceram bem:
Mudando de assunto: Uma emenda de redação bilionária
Durante as discussões sobre o auxílio emergencial da COVID-19, entre março e abril de 2020, havia um dispositivo que definia quem teria direito ao auxílio, mencionando o termo "trabalhador informal".
No entanto, não existia uma definição legal de "trabalhador informal", nem na proposta legislativa do auxílio, nem em outra lei vigente.
O IBGE definia trabalhador informal como aquele sem carteira assinada ou que atua por conta própria sem CNPJ.
A intenção era incluir no texto uma definição que abarcasse o trabalhador não formalizado, fosse ele empregado, autônomo ou desempregado.
A solução encontrada foi por meio de uma emenda de redação, cujo objetivo é conferir ao texto maior clareza, precisão ou ordem lógica, sem alterar o mérito, e sem a necessidade de retornar o projeto à outra casa do Congresso.
Essa emenda ampliou o direito de receber o auxílio para milhões de pessoas. Essa história está relatada no excelente livro Extremos: Um mapa para entender as desigualdades no Brasil.
Vale o clique
Já que o assunto são eleições, vale o destaque para as panelas de pressão gigantes que apareceram em várias campanhas (um exemplo) e para as barqueatas (outro exemplo).
Neste mês de setembro aconteceu o III Seminário virtual sobre Processo Legislativo nos Estados da Federação, capitaneado pela Escola do Legislativo da ALMG. Destaco duas mesas: Deliberação, participação e audiência pública e Legística e a qualidade da lei.
No Nexo: A evolução do ‘município’ no arranjo federativo brasileiro, em 5 pontos.
O Braincast debateu a Era dos Cortes, inclusive abordando o impacto na política.
O Fernando Nery aponta que a estrutura da proposta de regulamentação das IAs está ficando parecida com a LGPD.
Candidatos usam jingles feitos com IA, mas escondem do eleitor.
Chefe do Executivo fica inelegível se Legislativo rejeita contas, entende maioria do Supremo.
STF: Norma estadual pode obrigar que chefe da PGE seja escolhido dentro da carreira.
Vizinhança
Quinze por Dia, ou simplesmente QPD, é uma newsletter quinzenal com histórias, pensamentos e indicações sobre temas ligados ao Poder Legislativo, política e afins, por Gabriel Lucas Scardini Barros. Estou à disposição para conversar no Instagram @gabriel_lucas. Caso tenha recebido esse e-mail de alguém ou chegou pelo navegador, siga esse link para assinar.