O historiador holandês Rutger Bregman escreveu em seu ótimo Humanidade: Uma história otimista do homem (quando eu disse ótimo, eu me refiro a talvez o melhor livro que li esse ano)1:
Vamos considerar o seguinte estudo, conduzido por outro psicólogo, no qual uma série de voluntários primeiro ouve a história triste de Lena Freitas2, de 10 anos, acometida por uma doença fatal. Lena está na fila de espera de um tratamento que poder salvar sua vida, mas o tempo está se esgotando. Os voluntários são informados de que podem adiantar Lena na lista, mas precisam ser objetivos na decisão.
A maioria não pensa em conceder nenhuma vantagem a Lena, pois entende que todas as crianças daquela lista estão doentes e precisam de tratamento.
Aí surge a reviravolta. O mesmo cenário é apresentado a um segundo grupo, ao qual pede-se imaginar como Lena deve se sentir: Não é cortar o coração que essa garotinha esteja tão doente? Essa dose única de empatia muda tudo. A maioria agora quer deixa Lena passar na frente dos outros. Se pensar bem, trata-se de uma escolha moral inquietante. O holofote em Lena pode efetivamente significar a morte de crianças que estão na lista a mais tempo.3
Você poderia pensar: Exatamente! É por isso que precisamos de mais empatia. Não deveríamos nos colocar apenas no lugar de Lena, mas no de todas as crianças, em lista de espera no mundo todo. Mais emoções, mais sentimentos, mais empatia!
No entanto, não é assim que o holofote funciona. Continue tentando: imagine-se no lugar de cem outras pessoas. De 1 milhão… Que tal de 7 bilhões?
Nós simplesmente não conseguimos fazer isso.
Em termos práticos, diz o professor Bloom4, a empatia é um sentimento desalentador e limitado.
(…)
O poderoso holofote nos nosso poucos escolhidos no cega para a perspectiva de adversários, pois todos os demais saem do nosso campo de visão. (Grifou-se)
O texto poderia até encerrar essa parte por aqui, mas o assunto pode ir além.
Em primeiro lugar, não é uma questão de ter ou não empatia, se colocar no lugar do outro é fundamental para evolução tanto pessoal quanto como sociedade, mas a questão que Bregman trouxe é que há um perigo no efeito holofote.
Não existe solução simples no desenho de políticas públicas. O solucionismo é uma armadilha tentadora (isso deve ser tema recorrente no QPD).
Não é incomum uma situação pessoal ou de grande comoção levar a uma proposta legislativas. Quantas histórias parecidas com a história de Lena levaram a apresentação de um projeto de lei para dispor de uma doença rara específica?
Para tentar evitar o efeito holofote, nesse caso hipotético, que tal formular algumas perguntas antes de propor uma nova política pública?
Qual é a incidência desse tipo de situação na sua cidade? E no seu estado?
E a estrutura de saúde pública que te atende, daria conta de atender uma situação dessa? Há demanda? Há uma referência nacional?
Situações como essa podem ser acompanhadas por indicações legislativas ou até mesmo requerimentos de informação. Só depois de um estudo mais aprofundado a apresentação de um novo projeto de lei pode se justificar ou não (lembra da inflação legislativa que falamos no primeiro texto do QPD?).
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Enquanto isso, no carro com Malu…
Um dos melhores momentos do dia tem sido quando minha filha, Maria Luisa, pede para ouvirmos um episódio do podcast Histórias de Ninar para Garotas Rebeldes, uma produção do B9 que foi baseada no livro homônimo de Elena Favilli e Francesca Cavallo.
O trânsito fica mais divertido, não só pela audição das histórias, como também por uma atividade extra que criamos.
O nosso episódio preferido é o que conta as vitórias da Aisholpan Nurgaiv, uma menina nômade do Cazaquistão que vive Mongólia e resolve ter uma águia caçadora, tal qual seu pai.
Depois de ouvir a história, eu e Malu vamos atrás da foto da personagem principal e de saber mais da sua história.
Inclusive descobrimos que há um documentário sobre a pequena caçadora, narrado pela Daisy Ridley (a Rey dos novos filmes de Star Wars).
Outros episódios que agradaram pai e filha foram da juíza Ruth Bader Ginsburg e da vulcanologista Katia Krafft.
Esse último inclusive trata com muita delicadeza, e até de forma idílica, a situação do falecimento de Katia.
A única ressalva, então, é que alguns episódios narram episódios de violência, dai optei por não mostrar todos para a pequena.
Vale o clique:
Já falei de solucionismo no quinto episódio do Ato podcast. Um papo que tem Morozov, Singularity University e Caverna do Dragão.
“Histórias do Legislativo: Quando as Câmaras Municipais fecharam” e “A Primeira Câmara Municipal do Brasil”, pelo jornalista Sergio Lerrer, editor do Pro Legislativo
“3 sentidos do devido processo legislativo e o julgamento do RE 1.297.884 pelo STF”, por Victor Marcel Pinheiro, consultor legislativo do Senado Federal.
Na oportunidade da apresentação do projeto de lei orçamentária de 2022 foi encaminhado ao Congresso Nacional, o Relatório Anual de Avaliações de Políticas Públicas. Nesse relatório há avaliação de impacto de políticas tão diversa quanto o “Minha casa, Minha vida”, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF e a isenção de imposto de renda para leasing de aeronaves.
O ótimo podcast 37 Graus começou uma temporada promissora, com um tema que tem coisa em comum com essa newsletter aqui. O primeiro episódio chama-se "Um acidente de memória" e aborda a estrutura de construção de nossas memórias, além da possibilidade de indução a criação de memórias sobre fatos que não aconteceram.
Viu o caso da vereadora que anunciou uma rifa da tribuna? Isso aconteceu na Câmara Municipal de Nova Veneza-SC e, graça aos compartilhamentos do vídeo nas redes sociais, foram vendidos 24.585 números da rifa, enquanto a população da cidade é de 15.515 habitantes (IBGE, 2021).
“O TikTok como ferramenta de redução de rejeição”, texto da jornalista Claudia Guimarães. Você acha que o TikTok terá impacto nas próximas eleições?
Fui convidado pelos amigos da Secretaria de Comunicação Social da Assembleia Legislativa de Mato Grosso para falar sobre emendas impositivas no podcast da ALMT, o Capivara na Faixa. Se quiser ouvir, clique aqui (spotify).
fls. 213 e 214 do Humanidade: Uma história otimista do homem.
No original, Sheri Summers. Abrasileirei o nome por meio de um gerador de nomes aleatório.
O estudo da citação do livro de Bregman é esse: Batson, C. D., Klein, T. R., Highberger, L., & Shaw, L. L. (1995). Immorality from empathy-induced altruism: When compassion and justice conflict. Journal of Personality and Social Psychology, 68(6), 1042–1054. https://doi.org/10.1037/0022-3514.68.6.1042
Professor Paul Bloom.