No último dia dois de outubro, os brasileiros elegeram 27 senadores, 513 deputados federais e 1059 deputados estaduais ou distritais. E depois das posses, no ano que vem, a maioria deles estará ávida para realizar o ato que dá nome ao poder do qual passaram a pertencer: legislar.
O primeiro ano da legislatura geralmente é o mais prolífico em quantidade de projetos de leis e em nosso tempo de grande exposição de nossos representantes, a quantidade de projetos apresentados virou uma régua para tentar medir a qualidade do mandato.
As assessorias parlamentares recebem uma grande demanda para apresentação de novas matérias e não é incomum se inspirar em projetos de outra casa legislativa.
Será que há problema em um de um projeto de lei apresentado na Câmara Municipal de Ressaquinha-MG virar uma proposta legislativa na Assembleia Legislativa de São Paulo?
Mas essa questão foi tão longe que já existem serviços de venda de pacote de projetos legislativos prontos. Depois do pack do pézinho, o pack do projetinho.
Como surge um projeto de lei?
Existem várias maneiras de uma ideia para uma proposta legislativa aparecer:
Demanda da base do parlamentar ou cumprimento de promessa de campanha;
Necessidade de aprimoramento da legislação vigente, constatada após análise do ordenamento;
Observação de alguma necessidade de política pública, por parte do parlamentar ou de sua assessoria;
A inspiração em outros projetos;
Algum tema que a ganhe muito destaque na mídia.
É sério. Não é incomum um assunto ser tema no Fantástico e nos dias seguintes, o tema vai pipocando nas Casa Legislativas do Brasil a fora.
Muitas vezes, as cópias se retroalimentam tanto que propostas idênticas (ou com o mesmo tema) são apresentadas por vários parlamentares diferentes no mesmo dia.
Um dos exemplos são as propostas de distribuição de absorventes nas escolas, que primeiro surgiram após um documentário na Netflix, mas que depois de uma matéria no citado programa dominical, virou até lei federal.
Outro é uma lei de Rondônia, que reconheceu o risco e a efetiva necessidade dos CACs, que varreu muitas câmaras e assembleias no primeiro semestre desse ano e agora fomenta muitos debates na justiça.
Pode acontecer esse alastramento quando o STF julga a constitucionalidade de uma lei, como a proibição de crédito para idosos por meio de telemarketing.
Um projeto de lei pode ser copiado?
Sim. A Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, diz que os textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais e demais atos oficiais não são objeto de proteção como direitos autorais de que lei trata.
O que fazer antes de copiar um projeto?
Todo estudante de Direito já ouviu que o advogado é o primeiro juiz da causa, o assessor legislativo geralmente é a primeira votação que toda proposta legislativa vai ter.
Cabe a ele uma análise de viabilidade do projeto, que começa por saber se já existe uma lei sobre o assunto ou se existe projeto similar tramitando na casa legislativa.
Se houver lei tratando sobre o assunto, se for de outra unidade federativa correlacionada, talvez valha uma adaptação, se for da mesma unidade federativa do parlamentar, pode caber uma alteração para melhorar o texto legal.
Se houver projeto, cabe uma série de medidas, que serão desenvolvidas adiante.
Antes mesmo de adaptar o projeto, vale uma pesquisa para aclimatação do tema. Uma pesquisa de dados sobre o assunto (ai vale consultar dados do IBGE, das secretarias afetas ao tema e até aqueles da iniciativa privada), o quê pode melhorar a justificação do projeto.
E por fim, mesmo que alguns parlamentares aparentemente não liguem muito para isso, é importante entender se o projeto a ser trabalhado guarda sintonia com as pautas defendidas pelo parlamentar.
Por exemplo, a causa animal é uma boa pauta que tem relevância para muita gente, mas o assessorado muitas vezes nunca teve animal de estimação ou mesmo se importa com aqueles animais abandonados por aí.
Muitas vezes mesmo um projeto interessante de uma boa causa, pode causar ruído se o parlamentar não tiver intimidade com o tema ou legitimidade para falar do assunto.
A hora da cópia
Não há nada que impeça a cópia do projeto, então mãos à obra.
O primeiro passo é uma análise da forma.
Parece besteira, mas vira e mexe alguém esquece uma menção ao local do projeto original, pode inclusive ser algo pior, como um projeto em Mato Grosso mencionar praia1 ou oceano.
Feita a adaptação básica, é muito importante analisar se o projeto foi escrito corretamente, nos termos da Lei Complementar 98/1995, que trata das regras sobre redação legislativa, e nos lembra que as disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica.
Além das técnicas de redação legislativa, uma revisão gramatical é crucial para que erros de português não sejam perpetuados em diversas leis, como no caso de uma certa placa de elevador.
Uma análise de mérito vai bem, mesmo os bons projetos podem ser melhorados, seja como o acréscimo de dispositivos e muitas vezes com a retirada de texto extra desnecessário.
Caso o projeto copiado tenha se tornado lei, uma boa olhada no processo legislativo do mesmo pode enriquecer o texto normativo. Seja com os pareceres de comissão ou até mesmo com os eventuais vetos do executivo.
Legislando além dos projetos de lei
Muitos parlamentares se preocupam muito com a autoria dos projetos e pouco com a tramitação dos mesmos. Talvez por pensar que a visibilidade está apenas na autoria de um projeto.
O trabalho no processo legislativo pode surtir mais efeito ou chamar mais atenção do que uma autoria apática, esse trabalho pode acontecer pela relatoria do projeto nas comissões, na apresentação de emendas (principalmente se sugeridas pela sociedade) ou mesmo na defesa do projeto na tribuna do plenário.
Ainda sobre o tema, foi publicado no Conjur o artigo Por um olhar mais atento sobre o modo como são produzidas as normas jurídicas, de Fabiana de Menezes Soares, João Trindade Cavalcanti Filho, Müller Dantas de Medeiros, Natasha Schmitt Caccia Salinas, Renê Braga, Roberta Simões Nascimento, Samuel Gomes e Victor Marcel Pinheiro.
Como a QPD de hoje já ficou muito extensa, talvez semana que vem apareça uma edição extra com links e afins.2
Quinze por Dia, ou simplesmente QPD, é uma newsletter quinzenal com histórias, pensamentos e indicações sobre temas ligados ao Poder Legislativo, política e afins, por Gabriel Lucas Scardini Barros. Estou à disposição para conversar no Instagram @gabriel_lucas. Caso tenha recebido esse e-mail de alguém ou chegou pelo navegador, siga esse link para assinar.
Em MT, há praia de rio, mas convenhamos…
Não rolou e ficou tudo para a edição de 20/10/2022.