[ERRATA] Meio é a mensagem, Procedimento é mérito
O pensador canadense Marshall McLuhan cunhou o termo “meio é a mensagem”, basicamente pela razão de que a forma influencia o conteúdo.
Essa ideia, embora tenha surgido para explicar o impacto dos meios de comunicação, também se aplica ao funcionamento das instituições democráticas. Assim como McLuhan argumenta que o meio molda a mensagem, o procedimento legislativo molda as políticas públicas. As regras regimentais do parlamento – o “meio” – impactam tanto quanto o conteúdo da lei – a “mensagem”.
A frase clássica de McLuhan me veio à mente durante a atualização de um regimento interno, quando um colega sugeriu várias alterações que incluíam o termo “de maneira democrática” em diversas disposições. Os membros das comissões seriam definidos de maneira democrática, as votações também deveriam ocorrer de maneira democrática. Justo, não?
Entretanto, o regimento interno é o espaço onde o ideal democrático se transforma em regras práticas para o parlamento. No fim das contas, o processo legislativo é o instrumento da democracia.
Como destacado por Yuval Harari em Nexus, ao inventar uma nova ordem e impô-la à sociedade, a burocracia distorceu nosso entendimento de maneiras bastante peculiares. Muitos dos problemas de nossas redes de informação do século XXI – como algoritmos tendenciosos que rotulam erroneamente as pessoas ou protocolos rígidos que ignoram necessidades e sentimentos humanos – não são problemas novos trazidos pela era do computador. São problemas burocráticos que existiam antes mesmo que alguém sonhasse com computadores.
Nossas leis são o que são devido às regras que governam sua criação. A forma de desenho institucional impacta muito no resultado. Em resumo, o processo legislativo trata de quem apresenta a proposta, o caminho dessa proposta no parlamento, a possibilidade de alterar a proposta original e como ela será aprovada.
Há regras gerais na Constituição Federal, mas é no detalhamento do passo a passo no regimento que a “maneira democrática” se manifesta – ou não. Como se fosse um circuito cheio de bifurcações, cada decisão procedimental pode afetar o resultado final.
Um exemplo claro pode ser observado nos debates sobre o tempo para análise de emendas em comissões. Em muitos parlamentos, prazos curtos para análise têm limitado a capacidade de discussão aprofundada, ou o excesso de requerimentos de tramitação em regime de urgência, afetando diretamente a qualidade das leis aprovadas.
Outro exemplo é o apensamento de matérias. Os regimentos estabelecem que propostas semelhantes tramitem em conjunto, mas a maneira como essa anexação é realizada pode impactar diretamente o texto final da lei.
Esses são apenas dois entre muitos casos em que o meio procedimental molda o mérito final.
Dessa maneira, tão importante quanto discutir o mérito das proposições legislativas é atentar para o procedimento de sua discussão e votação. Ao revisarmos regimentos ou discutirmos propostas legislativas, estamos atentos ao impacto das regras no mérito das políticas públicas? Essa reflexão é essencial para fortalecer nossa democracia.
Afinal, como McLuhan nos lembra, o meio é a mensagem e, no caso da democracia, o procedimento é o mérito.
Na última edição do ano passado, houve a menção sobre o Câmara Aberta, uma Agenda de Reformas Regimento Interno da Câmara dos Deputados.
Será que 2025 o ano que a discussão sobre regimento interno entrará na pauta da sociedade?
E essa questão da importância regimental vai além do Legislativo:
Nesta primeira edição de 2025, quero desejar um feliz e ótimo ano para você leitor e agradecer novamente pela leitura da QPD.
Também quero desejar boas-vindas para quem chegou, após a leitura da minha entrevista no Manual do Usuário. Um salve ao Rodrigo Ghedin.
Quem recebeu essa edição por e-mail, talvez tenha estranhado a palavra errata no assunto, sem ter havido um outro envio.
É uma tradição da primeira carta digital do ano, sempre com um assunto chamativo e caçador de cliques (essa tradição começou aqui). Um jeito da forma influenciar sua atenção ao conteúdo.
Vale o clique
Em dezembro, perguntamos qual foi a lei de 2024, na mesma linha o Congresso em Foco destacou algumas normas de impacto (eles também fizeram uma previsão do que pode debatido em 2025 no Congresso).
No último episódio da Rádio Escafandro de 24, há uma história fantástica sobre a tramitação da LGPD. Escute!
Muitas confusões na transição das Câmaras Municipais: Após não ser reeleita, ex-vereadora leva privada e pias de gabinete.
Devemos restringir os legitimados nas ações de controle concentrado?
Gênero, Dinâmicas de Poder Intrapartidárias e Manterrupting no Legislativo.
Da competência para julgar recurso extraordinário de controle abstrato estadual.
Regras de transporte autônomo passam a valer (na Suiça).
Vizinhança
Quinze por Dia, ou simplesmente QPD, é uma newsletter quinzenal com histórias, pensamentos e indicações sobre temas ligados ao Poder Legislativo, política e afins, por Gabriel Lucas Scardini Barros. Estou à disposição para conversar no Instagram @gabriel_lucas. Caso tenha recebido esse e-mail de alguém ou chegou pelo navegador, siga esse link para assinar.