Graças aos aplicativos de mensagem, que começaram a se popularizar com a internet e se disseminaram completamente com os smartphones, talvez a raça humana tenha chegado ao ápice da comunicação por escrito (e também dos áudios com mais de um minuto).
Mas entendemos o que o outro diz?
Mesmo com a utilização de emojis para dar sentido ao texto do aplicativo de mensagens, não é incomum uma percepção equivocada, um erro ao interpretar o que o autor da mensagem quis dizer.
Quando é uma mensagem entre dois amigos, fica fácil desfazer qualquer mal entendido.
Quando se perscruta a intenção do legislador, é diferente Será que ele estava mesmo pensando o que se entende do texto da lei? Será que foi ele mesmo que pensou nisso?
Nos debates da “lei monstro”, um parlamentar foi à tribuna com discurso em punho e tinha muita dificuldade em falar até mesmo os nomes das Big Techs.
Qual a vontade desse representante em meio a temas tão complexos? Ele representa você? Ou as pessoas que o elegeram?
Uma pausa para esclarecer quem é esse legislador.
Não é apenas o autor da proposta, mas também é aquele que a discute e aprimora nas comissões e no plenário, apresenta modificações ou até mesmo aquele que só vota sim pela sua aprovação.
Há também muito do autor no trabalho da assessoria legislativa, cuja missão é transformar a ideia em texto legislativo e sua respectiva fundamentação.
A intenção do legislador seria o guia adequado para atribuir valores objetivos à legislação, e o intérprete teria o dever de adotar a interpretação que mais realize os valores em questão (MACCORMICK, 2008, p. 178).
A citação acima é do ótimo texto “O argumento da intenção do legislador”, de Roberta Simões Nascimento.
Um exemplo de um texto que teve uma intenção e virou outra coisa é o § 5º do art. 226 da Constituição Federal, que estabelece que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
O texto é uma das conquistas do lobby das mulheres na Assembleia Constituinte e buscou tirar do texto constitucional a posição do homem com o “chefe de família”.
Passadas algumas décadas, essa conquista feminina virou subterfúgio para tentar negar o direito de outras formações familiares.
Dança das cadeiras
Finalmente, os Resultados do Censo 2022 (que era para ser 2020) começaram a ser divulgados. É notório que o censo ajuda na construção de inúmeras políticas públicas, mas há também (ou pelo menos deveria ter) um reflexo direto nos parlamentos brasileiros.
Em tese, a Câmara Federal deveria sofrer alterações na sua composição. Lembrando que a Câmara seria a representante do povo brasileiro e as bancadas estaduais podem ter o mínimo de 8 assentos e o máximo de 70 (o caso de São Paulo).
A mudança de composição diante da mudança proporcional da população precisa de autorização legislativa (o que dificilmente irá acontecer) e também impacta na composição das Assembleias Legislativas.
Quando a bancada federal tem até 12 deputados federais, a Assembleia tem três deputados estaduais para cada federal. A partir do décimo terceiro federal, apenas um é acrescido ao total da Assembleia. O cientista político Humberto Dantas falou sobre isso em uma edição do podcast Legis-Ativo (link do youtube - aliás, acompanhem o Legis).
Mesmo que algumas capitais tenham diminuído em população (Recife, por exemplo, poderia perder duas vagas de vereadores), dado o aumento dos números, muitas cidades poderão aprovar novas cadeiras em suas câmaras municipais e o Brasil pode vir a ter centenas de novos vereadores de 20251.
Canaã dos Carajás, a cidade que proporcionalmente mais cresceu e que fica no Pará, pode sair dos seus 13 atuais vereadores para o número de 15 vereadores.
As alterações devem ser aprovadas até o dia 5 de outubro de 2023.
Os resultados do censo 2022 estão sendo divulgados no link.
Uma divergência póstuma?
A suprema corte dos EUA derrubou mais um precedente histórico. Ano passado foi sobre o aborto e esse ano sobre ações afirmativas.
Não importa opinião sobre o tema, mas sim o fato de que eram decisões longevas, que sobreviveram um controle republicano sobre a suprema corte por décadas.
Diante da cristalização da formação da corte, fico lembrando sempre da juíza Ruth Bader Ginsburg, que faleceu durante o governo Trump e aumentou a diferença em favor dos republicanos. Sempre me questionei, na minha distância de todas as sutilezas a política estadunidense, qual o porquê dela não renunciar antes e permitir mais uma indicação democrata?2
Ela era famosa pelos seus votos divergentes, que mandavam recados ao congresso, conclamando o legislativo a se posicionar (falei mais sobre isso no passado).
Fico pensando se no fim, a maior provocação dela é essa. Abrir o caminho mesmo, demolir o stare decisis3.
Já que houve um cavalo de pau jurisprudencial, caberia o legislativo decidir, mas será que isso vai acontecer?
Mais sobre a última decisão (em inglês):
Tem um documentário muito legal sobre a RBG, parece que não está mais no catálogo da Netflix, mas fica o trailer. E sobre a Suprema Corte dos EUA, sempre gosto de indicar o livro Os Nove.
10 de julho - Dia Mundial da Lei?
Talvez você já tenha se deparado comcomemorações desse dia nas redes sociais por aí.
“Um dia nacional dedicado a celebrar o Estado de Direito. O Dia da Lei destaca como a lei e o processo legal contribuíram para as liberdades que todos os americanos compartilham.” - Mais ou menos essas foram as palavras de Dwight Eisenhower, então presidente dos EUA, para declarar o dia 1º de Maio, o Law Day.
Não consegui descobrir o porquê se comemora no dia 10 de julho uma data comemorativa que foi proclamada para primeiro de maio. Por causa de um choque com o dia do trabalho? Talvez.
Em 1968, houve uma Conferência Mundial sobre Paz Mundial Através da Lei, em Genebra, no dia 10 de Julho. Mas em outros anos esse evento aconteceu em outras datas.
Julho já tem também o Dia Mundial do Rock que é comemorado apenas no Brasil, então, feliz dia mundial da Lei para todos nós.
Vale o clique
Fabrica de Leis no Conjur: Releitura do interstício entre os turnos de votação de PEC; Validade legisprudencial, erro legístico e o juiz de garantias; e, As palavras e as leis ou deve-se excluir da lei termos "ultrapassados"?
O volume 22 da Revista da AGU tem muitos artigos com um dos temas preferidos da casa: Análise Econômica do Direito.
O
trouxe informações sobre a legislação em defesa da população LGBTQIA+. Desde 2019, há 4 proposições pró LGBTQIA+ por mês sendo apresentadas. Entretanto, o programa Atena mostra que há muito o quê melhorar.
Vizinhança
Quinze por Dia, ou simplesmente QPD, é uma newsletter quinzenal com histórias, pensamentos e indicações sobre temas ligados ao Poder Legislativo, política e afins, por Gabriel Lucas Scardini Barros. Estou à disposição para conversar no Instagram @gabriel_lucas. Caso tenha recebido esse e-mail de alguém ou chegou pelo navegador, siga esse link para assinar.
Vale lembrar que a aprovação do número de assentos nas Câmaras deve acontecer até um ano antes do pleito, se não
Esse princípio jurídico significa "manter-se pelo que foi decidido" ou "ficar com as coisas que foram decididas". O stare decisis é uma doutrina que estabelece que as decisões anteriores da Suprema Corte devem ser seguidas e mantidas em casos semelhantes no futuro, a menos que haja razões convincentes para reexaminar ou modificar uma decisão anterior. Isso contribui para a estabilidade e consistência na interpretação da lei nos Estados Unidos.