Por que se fala tanto no controle de constitucionalidade no Processo Legislativo?
Uma nova norma não existe sozinha, ela se insere em um vasto ordenamento jurídico, composto por milhares de outros atos normativos.
Vale lembrar que o nome desta newsletter faz referência à quantidade de leis novas publicadas todos os dias.
Nesse contexto, avaliar a constitucionalidade das propostas legislativas é essencial para garantir segurança jurídica e evitar conflitos normativos.
Entretanto, muitos acreditam que essa análise não ocorre no processo legislativo, dado que os parlamentos, vez ou outra, aprovam leis que acabam sendo declaradas inconstitucionais.
Mas essa é apenas uma parte da história. O controle de constitucionalidade acontece de várias maneiras no Legislativo. Considere as inúmeras propostas que não chegam a se tornar leis.
Além disso, as discussões sobre constitucionalidade nos tribunais são verdadeiros campos de batalha, nos quais os limites da competência legislativa são testados ao extremo.
Mas como acontece o controle de constitucionalidade?
Existem três momentos principais para o controle de constitucionalidade no processo legislativo:
Na redação inicial da proposta:
Costuma-se dizer, na faculdade de Direito, que o advogado é o primeiro juiz da causa. De maneira semelhante, o assessor legislativo é quem realiza o primeiro controle de constitucionalidade ao redigir ou revisar uma proposta normativa.Nas comissões permanentes:
O controle de constitucionalidade é feito por comissões específicas, como a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), ou por outras comissões, dependendo do regimento interno da casa legislativa. No Senado Federal, por exemplo, até mesmo as comissões de mérito podem analisar a constitucionalidade das matérias.Na avaliação do Chefe do Executivo:
Em projetos de lei ou leis complementares, o Chefe do Poder Executivo pode exercer o veto com fundamento na inconstitucionalidade da matéria, assegurando que a norma não entre em vigor.
Esses são os momentos mais institucionalizados, mas o controle de constitucionalidade também ocorre de forma sutil e informal no Legislativo. Algumas práticas comuns incluem:
O arquivamento das propostas, seja a pedido do autor ou ao final da legislatura;
A modificação dos projetos por meio de emendas;
O poder de pauta exercido pelos presidentes das casas legislativas ou das comissões;
E, claro, o arquivamento informal, popularmente conhecido como a “boa e velha gaveta.”
A CCJ é mesmo a comissão parlamentar mais importante?
Não é raro ouvir que a CCJ é a comissão mais relevante do Parlamento. Mas essa afirmação leva a uma reflexão: o que é mais importante, a forma ou o conteúdo?
O controle de constitucionalidade é fundamental para garantir boas normas, mas é, em essência, uma análise formal. Por outro lado, o conteúdo das propostas legislativas é avaliado pelas comissões de mérito, que, em geral, analisam se há interesse público na inovação proposta.
Dada a natureza política do processo legislativo, não é incomum que parlamentares apresentem projetos sabidamente inconstitucionais para abrir espaço para debates mais amplos.
Uma proposta legislativa não existe necessariamente para se transformar em norma, mas também para pautar discussões.
Constitucionalidade por cegueira
Quando se fala de aspectos políticos, é inevitável mencionar que, em alguns casos, as decisões nas CCJs refletem mais interesses políticos do que análises técnicas.
Durante meu trabalho como assessor legislativo, ao estudar leis interessantes para adaptá-las à realidade local, frequentemente pesquisava o processo legislativo dessas normas, incluindo as razões apresentadas nos pareceres das CCJs. Muitas vezes, me deparei com a frase:
“Não vislumbro nenhuma inconstitucionalidade.”
Se não se identifica nenhuma incompatibilidade com a Constituição, resta apenas emitir parecer favorável. Contudo, essa análise nem sempre é tão simples e pode ignorar nuances jurídicas ou mesmo limitações de competência legislativa.
O controle de constitucionalidade no processo legislativo é tão técnico quanto político. Ele não se limita à análise jurídica, mas também reflete as dinâmicas e estratégias políticas que permeiam o Legislativo.
Fortalecer as análises técnicas e aumentar a conscientização dos parlamentares sobre os limites constitucionais é essencial para produzir normas de qualidade.
Apesar das limitações e desafios, é nesse equilíbrio entre técnica e política que reside a força do processo legislativo.
Esta edição da QPD foi inspirada pela participação do Consultor do Senado — e estimado companheiro de almoços — João Trindade, no podcast Onze Supremos. Ouça!
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Vizinhança
Quinze por Dia, ou simplesmente QPD, é uma newsletter quinzenal com histórias, pensamentos e indicações sobre temas ligados ao Poder Legislativo, política e afins, por Gabriel Lucas Scardini Barros. Estou à disposição para conversar no Instagram @gabriel_lucas. Caso tenha recebido esse e-mail de alguém ou chegou pelo navegador, siga esse link para assinar.